domingo, 18 de outubro de 2015

CRÔNICA DO SABONETE DORLY E DO TALCO EUCALOL

Ninguém se lembra, certamente, do perfume do sabonete DORLY. Esta marca de sabonete foi no final dos anos 50, a única marca usada em minha casa. Meu pai comprava caixas e caixas. Não sei por quê! Essa mania do meu pai fez com que eu arquivasse na memória este cheiro que nunca mais senti, mas que lembro com exatidão por um desses mistérios da mente. Lavar o rosto de manhã, as mãos antes das refeições o banho da tarde, práticas diárias. Revejo agora no Google, a imagem que ilustrará este texto. Aproveito pra fazer o desafio: quem mais conhecia essa marca de sabonete?
Minha vida, já escrevi várias vezes, é regida pela memória dos cheiros. Nem sempre cheiros bons como o de Dorly, floral, com uma pitada de canela, se é que consigo descrevê-lo.
Sempre achei que os perfumes se acentuavam nos domingos, principalmente na minha casa. A missa da manhã, das sete, era obrigatória. Eu, criança obedecia, por que isso faz parte do protocolo infantil, Meus irmãos adolescentes e já rapazinhos, não tinha opção mesmo e nem era por causa de alguma espécie de protocolo. Obedeciam e iam à primeira missa da manhã, mesmo que os bailinhos de sábado houvessem lhes roubado a disposição de acordar tão cedo. Mas eles eram jovens, tinham energia e tinham bicicletas, bicicletas GORICKE com o cheiro de graxa das engrenagens. Não precisavam fazer o trajeto da Vila da Usina à igreja a pé. Eles cheiravam também à Brilhantina GLOSTORA que passavam generosamente nos cabelos para fixar os topetes, pensando talvez, em prováveis olhares femininos à saída da igreja. Virtuosos, nas bicicletas, se exibiam... Meu pai cheirava à uma loção de barba amadeirada e minha mãe à pó de arroz. Aliás, fins de semana, a casa tinha vários cheiros: cheiro de PARQUETINA, a cera que lustrava os assoalhos no sábado, cheiro de ANTISARDINA que minhas irmãs usavam, possivelmente contra sardas, cheiro da revista O CRUZEIRO, com sua tinta gráfica marrom e forte. Quem lembra? E eu ia á missa com cheiro de Dorly, ainda do banho de tarde anterior. Sabia que na volta da missa, um lauto café da manhã, com cheiros variados nos esperava. Só não entendia porque eu também esperava o depois da missa se ainda não comungava? Jejum desnecessário...
Lembro ainda de Tereza Cristina, uma paixão precoce, que cheirava a talco EUCALOL. Por que me lembro? Por um desses motivos que um homem não esquece: a primeira namorada. Eu tinha oito anos e já sentia o coração bater incontrolado quando a via. Éramos vizinhos e eu passava horas no portão, só pra vê-la na casa em frente. Não nos falávamos quase, porque meninos e meninas, pouco se falavam. Acontece, que numa noite de quinta-feira, houve o aniversário de Glaucia (outra menina) e todos as crianças da Vila da Usina foram convidados. Entre brincadeiras, também se brincou de namorar. Acho que pela primeira vez peguei na mão de uma menina de modo a acelerar meu coração... Brincar de namorar era assim, desse jeito combinamos, os meninos e as meninas, naquela noite. “Namorei” umas quatro desse modo. No final, audacioso (sim, eu era!) propus-lhe que namorássemos também no domingo de manhã, no campinho de futebol. Ela disse que sim, meu coração disparou e mal pude esperar aquele domingo depois da missa.

Querem saber os cheiros do dia, além daquele do protocolo da missa? O vento tinha um hálito melífluo das Acácias-mimosas em início de primavera. Meu sapato, exageradamente engraxado reacendia cheiros de pasta NUGGET e meu cabelo engomado pelo exagero de Glostora não se abalava com o vento. Ela veio ao encontro comendo bolo, bolo de chocolate, com cheiro de TODDY e me ofereceu um pedaço. Me deu a mão (sim, a iniciativa foi dela!) e ficamos um longo tempo em total silêncio, de mãos dadas, até que a proximidade do almoço nos separou. Simples assim. Apenas isso. Lembro que combinamos “namorar” outras vezes, mas não aconteceu. Nunca mais falamos sobre aquilo. Crescemos e, ironicamente, nunca fomos amigos, mesmo que nunca tenhamos brigado. A vida simplesmente empurrou cada um de nós para um canto diferente e ficou em mim apenas a lembrança do seu perfume Eucalol, daquela manhã de domingo, que a memória teima em trazer de volta, sempre que um ruído de primavera espalha no ar o cheiro melífluo das acácias. Lembrar é bom!

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