52- TEMPOS DE EMATER
O final de 75 deu-me, pela primeira vez, a sensação de
que se aproximava a hora de Chiara ir embora. Algumas coisas se confirmavam.
Minha ida para o Sul, principalmente, anunciava-se como um acerto de suas
previsões.
Naquele ano, mais uma vez, fiz o
Festival de Inverno. Desde a morte de Carmela, eu havia pensado que não teria
coragem de fazer outro. Sandra, minha amiga, convenceu-me. Resolvi, então,
fazer um curso de Litografia com Quaglia, um excelente professor, de quem eu já
era amigo.
Tive a chance, nesse festival, de
conhecer duas gaúchas: Zilá e Neli. Aliás, ficamos nos conhecendo um dia, na
sala de aula, quando uma delas perdeu a lente de contato, e eu tive a sorte de
achar, no lugar menos provável e mais difícil de encontrar: no tanque de água,
no meio da umidade onde ela ficava quase imperceptível. Ficamos amigos depois
disso, e Zilá me fez o convite para trabalhar em Rio Grande, num curso novo de
Educação Artística que a universidade local pretendia abrir. Aceitei. Ela me
chamaria no momento em que o Curso estivesse para começar.
Descobri ali, naquele festival, que eu
me dava muito bem com os gaúchos. A maioria de amigos que fiz era do Sul:
Nelson Elwanger, Cláudio Eli, Armando Almeida, Paulo Perez e Anete, Paulo
Chimendes, Anico Herskovits, Ana Alegria e outros. Tudo se encaminhava para,
mais uma vez, Chiara acertar em cheio. Bastava-me esperar, que tudo iria
acontecer.
Quis, então, desafiar, mais uma vez,
aquela afirmação de Chiara.
Comecei o ano de 1976 procurando emprego.
Os trabalhos de ilustração haviam minguado por uma determinação do Instituto
Nacional do Livro, estipulando um prazo mais apertado para as editoras
apresentarem os livros para o ano escolar. Na pressa, elas, as editoras,
preferiram contratar agências de publicidade que ilustravam o livro muito mais
rápido do que eu e a Sandra. Eu fiquei, outra vez, totalmente sem dinheiro. Uma
ou outra capa de livro que amigos me conseguiam não rendiam o suficiente para
que eu fosse muito longe. Estava com a pensão atrasada e contando com a boa
vontade e bom coração de Dona Nilda, a proprietária. Nessa época, eu não pedia
mais dinheiro de casa. Virava-me como podia. Consegui umas aulas particulares
de desenho. Tinha três alunos e o que eu arrecadava com os três equivalia mais
ou menos a um salário mínimo da época. Oitenta por cento daquele dinheiro
correspondia à mensalidade da pensão. Fumava porque filava dos amigos
compreensivos. Pelo menos, na pensão, eu tinha almoço e janta até sábado e
almoço aos domingos. No final desse dia, como não havia janta, eu corria sempre
à casa de um amigo quando tinha fome. Dona Célia e Seu Alberto, pais de Sandra,
convidavam-me sempre para o lanche do fim da tarde. Muitas vezes fui também à
casa de meu irmão Zezé, onde era garantida uma janta reconfortante.
Por volta do mês de maio, meu amigo
Aluízio conseguiu para mim, um emprego fixo na EMATER (à época, ACAR). Aquilo
conseguiu fazer com que eu recuperasse a auto-estima. Pude pagar de novo tudo o
que eu devia e andar outra vez de cabeça erguida. Era ótimo trabalhar ali: eu
gostava de todos, e todos gostavam de mim. Cresci rápido no novo emprego. Em
1977 houve a mudança de nome da empresa. Muitas mudanças para ampliá-la foram
propostas, inclusive a transformação da Seção de Arte em que eu trabalhava,
para um novo Serviço de Artes Gráficas, que juntava em um só setor a seção dos
desenhistas com o Parque Gráfico da Empresa. Fui convidado pelos novos
diretores para chefiar aquele serviço. Havia obtido um excelente progresso em
menos de um ano. Infelizmente, alguns colegas não conseguiram lidar muito bem
com aquela minha promoção. Funcionários mais antigos (e eu não tiro a razão
deles) sentiram-se preteridos e prejudicados. Eu só aceitei porque havia a
promessa de contratar pessoas de fora caso eu não aceitasse. Fiz as pazes com
todos, que descobriram que eu não havia usado nenhum tipo de subterfúgio para
conseguir aquele cargo.
Não pude evitar, no entanto, de me
indispor com Rubem Marchi e Otomar, dois diretores pedantes, da nova equipe que
fora contratada no momento de ampliação da empresa. O fato de termos nos
transferido para um prédio no Barro Preto aliviou um pouco a tensão. Era quase
certo, eu sabia, que eu não ia agüentar. Pude, contudo, formar uma excelente
equipe de desenhistas: Rosângela Quinaud e Sandra Cristina (antigas colegas de
escola) Quintino Boaventura, Selma e os antigos companheiros: Sérgio Zorzin,
Aluísio, Maia e Ângela. Havia ainda: Tânia (a revisora) Magdala, Dirce, Dulce e
Terezinha, na composição de textos. Vivemos bons momentos juntos.
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