segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

32- Historiando...



32- HISTORIANDO...





Houve momentos em que o tempo no qual eu e Chiara ficávamos juntos, ela dividia com Maria Goretti. Via assim a chance de a última me conhecer melhor, à medida que essa também aperfeiçoava a sua capacidade de se dar a Chiara para que ela falasse comigo. E, conforme disse, como éramos colegas do Ginásio, estar estudando com ela em casa, era como estar com qualquer outro colega. Chiara me confessou um dia que gostaria imensamente de que Maria Goretti se apaixonasse por mim, mesmo sabendo que isso não ia acontecer. No seu ponto de vista, seria o ideal porque assim eu ficaria com uma boa pessoa e, para mim mesmo, talvez se tornasse menos confusa aquela história toda. Apesar de tudo, eu, nas poucas vezes em que pensei naquela possibilidade, concluí que não daria certo. Para mim eram duas pessoas diferentes, embora eu estivesse, gradativamente, ficando amigo de Maria Goretti, aprendendo a gostar dela e sentir prazer em sua companhia.
Engraçada era a distribuição do tempo nesses encontros. À medida que nos acertamos para que uma e outra estivessem comigo, às vezes era Chiara quem batia à minha porta e no meio da tarde ia embora, deixando Maria Goretti para conversar um pouco comigo. Em outras vezes quem chegava era Maria Goretti, e Chiara vinha depois. Até houve vezes em que Maria Goretti vinha, ficava o tempo todo, e Chiara não se comunicava. Houve vezes, e no início isso era muito confuso para mim, que as duas se intercalavam, trocando seguidamente de lugar. Parecia que as duas combinavam e faziam uma espécie de jogo ou brincadeira comigo. A única marca distintiva era o perfume que anunciava Chiara.
Mesmo colaborando com isso, Maria Goretti dizia, também, às vezes se confundir. Dizia-me, por exemplo, que estranhava porque num dado momento quando se dava a Chiara, estava num lugar e quando voltava a ser Maria Goretti, estava em outro, o que confirmava que às vezes, sua entrega era total. Um dia, Maria Goretti me disse:
- Essa coisa toda é muito confusa para mim, Beto (também ela passou a me chamar de Beto). Sei que a relação sua com essa moça (ela poucas vezes se referiu a Chiara pelo nome) que me procura é muito especial e me sinto útil por ser intermediária, embora às vezes isso tudo me confunda a cabeça. Acho que se eu quisesse, poderia até evitar que ela viesse e me usasse. Mantenho isso, por saber que estou fazendo uma coisa boa. Sua discrição também ajuda muito e me deixa mais tranqüila.
Agradeci-lhe, disse-lhe que podia continuar confiando em mim e que não se preocupasse. Tinha certeza de que aquilo nunca lhe faria mal.
Discretíssima, Maria Goretti nunca se interessou em saber detalhes daquela relação, nem me pediu qualquer informação ou mais detalhes sobre a pessoa que se comunicava comigo, embora, com o desenvolvimento de nossos encontros, passasse mais e mais a guardar um pouco mais da lembrança de tudo que acontecia. Maria Goretti, como pouquíssimas pessoas que eu conheci, tinha a discrição como sua principal virtude, e isso demonstrava também que ela era uma pessoa de caráter e extremamente madura. Outra pessoa, com certeza, poderia ter medo de se envolver, teria a curiosidade que às vezes é indiscreta e a “não-entrega” total, pensando até em interferir.
Maria Goretti confessou-me, também, que nunca algo parecido com esse tipo de contato havia acontecido em sua vida. Sentia outros tipos de manifestação, premonições ou coisas parecidas, mas de pouca importância, dizia.  Sentia-se, de certo modo especial por ter essa capacidade e se esforçava para que seus pais nunca percebessem. Nesse instante confessou-me uma coisa que eu não sabia e, com certeza, ninguém ou talvez pouquíssimas pessoas de Matozinhos soubessem: Seu Alcides e Dona Maria não eram seus pais verdadeiros. Ela fora adotada ainda bebê e nascera no interior do Paraná, numa colônia armênia. Sabia isso, porque sua mãe adotiva lhe contara desde pequena. Um dia, eles, seus pais adotivos, viajaram para o Paraná e trouxeram-na, recém nascida para Matozinhos. Agradecia muito aos dois, nunca teve nenhum tipo de ligação com sua mãe biológica e, de coração, ela era filha de Seu Alcides e Dona Maria. Considerava-se mineira e matozinhense.
Não sei se isso explica a espécie de poder que ela possuía, de ser algo assim como um veículo de comunicação. Nunca nenhum de nós falou em espiritismo ou em algo parecido. Mantivemos sempre a tentativa de fazer aquilo tudo parecer natural, sem nos aprofundarmos, sem querer saber mais do que talvez devêssemos e, como eu disse no início deste livro, tanto com Chiara quanto com Maria Goretti, eu tinha a mesma postura: aquilo que acontecia era diferente, anormal para os padrões de todo mundo, mas não nos fazia nenhum tipo de mal. Se causava algum tipo de interferência em nossas vidas, era apenas em alguns momentos específicos e nunca nos prejudicou. Eu e Maria Goretti passávamos para o resto da população de nossa cidade e até para os nossos pais, a idéia de sermos como os outros jovens, com a vida normal de estudos, festinhas e amigos. Ninguém, ninguém mesmo, a não ser nós dois, sabia do que acontecia. Era um assunto que dizia respeito apenas a nós dois, ou melhor, a nós três.
E é importante dizer que ser o canal de minha comunicação com Chiara foi talvez a única anormalidade constante na vida de Maria Goretti, pelo menos dentro do que se pode chamar de manifestações repetidas, porque outras formas esporádicas aconteceram, e eu mesmo testemunhei, algumas vezes, isso acontecer.
Quando chegou o dia de eu e Chiara terminarmos nossas comunicações, ao que parece, nunca mais, com outra ou outras pessoas, Maria Goretti compartilhou esse seu poder. Parece ter encerrado ali aquela sua habilidade, como se o seu principal papel fosse ser a ponte de comunicação para favorecer o contato entre mim e Chiara.

Maria Goretti sabe que isso tudo não interferiu como prejuízo em sua vida. O máximo que aconteceu foi ela se disponibilizar para nossos encontros quando assim era necessário.
E mesmo que tenha havido um grande progresso em nossas relações, foi pena nós nunca termos sido amigos com a intensidade que Chiara desejou. Nunca, eu e ela questionamos isso, até porque sabemos, amizade passa antes por afinidades que talvez nós dois não tivéssemos e nem aconteceu da gente descobrir. Nem eu sou hoje o melhor amigo dela, nem ela é hoje, a minha melhor amiga. Não aconteceu, simplesmente. Nunca nos cobramos, embora tivéssemos passado bons momentos juntos de quase intimidade e até mesmo beijos, imprudentes, houvesse acontecido entre nós.

Houve mesmo outros interesses para cada de um nós no momento em que Chiara nos deixou. Tratamo-nos hoje com cordialidade e educação e a cada encontro que temos, tocamos cada vez menos nesse assunto. Talvez tenha sido bom que fosse assim. E é engraçado, encontrar com ela, por exemplo, num supermercado ou numa praça de Matozinhos, quando para lá eu vou. Quem nos vê juntos, numa rápida conversa de dois colegas que se reencontram, não imagina o que passamos juntos e como estivemos tão perto um do outro, durante todos aqueles anos. E o mais engraçado é que, raramente, em nossas conversas, qualquer um de nós, rememora aqueles tempos.

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