sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

As visitas da menina do espelho



2- As visitas da menina do espelho


Chiara (minha amiga imaginária) voltou, outros dias, muitas vezes seguidas, sempre que eu me encontrava sozinho. Nunca achei inusitado esse fato e me pareceu uma situação normal. Engraçado é que eu não contei para ninguém de minha casa que ela vinha brincar comigo, e não tinha mesmo noção de que aquilo pudesse ser certo ou errado. Mas mantive segredo sempre. Não sei por quê, mas mantive. Talvez essa omissão de minha parte seja o primeiro mistério dessa estranha relação.
Uma coisa a mais que posso dizer é que começou em mim, a partir desses encontros, um novo modo de ver a vida. Pode parecer estranho dizer que uma criança de cinco anos tenha essa capacidade. Mas garanto que a partir daí passei a refletir sobre os meus sonhos, relacioná-los, quando esse era o caso, com fatos da vida real e também a escolher e selecionar minhas referências sensíveis, como me deixar envolver pelo cheiro bom de terra molhada depois da chuva ou pela profusão de perfumes das flores de minha mãe. E, além disso, ser capaz de medir o calor afetuoso de um abraço, entre outras coisas.
Em casa, no início de tudo, ninguém desconfiava de nada. Não sei por que a vinda de Chiara me pareceu normal o tempo todo, muito embora, me lembre de ter passado a pensar muito nela, várias vezes ao dia, e começado a sonhar com ela quase todas as noites. Foi quando comecei a ter noção dos sonhos.
 Além do mais, ela começou a aparecer para mim em vários outros lugares. Nem sempre se comunicava comigo, mas eu podia enxergá-la. Ela de longe me sorria e eu gostava. Passei mesmo a sentir sua falta, quando não se encontrava perto.
Tudo isso merece uma consideração: penso agora – e é possível que o leitor também esteja aí pensando – como se ri quando as crianças falam de seus amigos imaginários! Nunca entendi por que tanto se ri e tão pouco caso se faz quando elas fazem referência a esses amigos. Imaginários? Até quanto? Eu tive a minha experiência.
Se houvesse sido apenas lá, na imaturidade dos meus cinco anos, seria possível que eu mesmo, hoje, apagasse o fato com a desculpa de ser tudo imaginação minha, infantil. Mania que temos de tentar justificar tudo!
A primeira fase de nossos encontros, nesse período da infância, durou pouco menos que dois anos (de 55 a meados de 56). Minha memória reteve, com falhas, sua lembrança física desse período. Na realidade, acho que já adulto, acabei idealizando um rosto para aquela menina afim de uma referência. Lembro-me do cabelo, castanho, quase louro, aneladinho, de um laço de fita grande, um vestido listrado de azul e branco e de mangas bufantes, meias três-quartos e sapatos pretos de verniz, com fivela dourada. Lembro-me de olhos claros, grandes e expressivos e muita segurança de gestos para uma menina que tinha, como eu, cinco anos. Ela, por exemplo, tinha uma letra infantil, mas quase madura, um vocabulário ágil e uma postura que muitas das vezes lembrava já uma moça, uma pessoa mais adulta. Lembro-me também de ela ter uma voz doce e muito segura, e o mais importante: sempre que eu a via, surgia com ela um delicado cheiro de flor que, mais tarde, adulto, reconheci ser o perfume de gardênia.
Lembro-me sim, com certeza absoluta, dela comandando as brincadeiras e me protegendo o tempo todo, quase como um anjo da guarda. Lembro-me de me sentir muito bem ao lado dela nos primeiros tempos. Acostumando-me e até ficando dependente de sua presença, disso tudo eu me lembro.

E o espelho do quarto passou a ter uma função mágica.
Eu passava horas olhando para o espelho do quarto, tentando descobrir onde poderia haver, ali, uma passagem secreta por passava a minha amiga.

Lembro-me, a propósito, por causa disso, de ouvir minha mãe contar, de uma antiga vizinha sua, Dona Eugênia, que quando ficava sozinha em casa, tapava os espelhos com um pano...

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