segunda-feira, 18 de junho de 2012

um novo (velho) conto - "SOCORRO"


                           Reencontrei um velho conto dormindo numa gaveta... sono de dez anos, por aí... Reli e achei que não precisava de ajustes.                                                                              





SOCORRO







Um bocejo. Um bocejo espesso, contrariado e de desdém foi a única coisa que Maria do Socorro devolveu ao marido, quando este - tentando - se arrastou com intenções, para o seu lado na cama, naquela noite quente e abafada, em que a chuva tocava uma música incindental nas telhas.
Plínio, o marido, raramente tinha a esposa. Passava às vezes, semanas sem tê-la. Em branco. Por isso o olho suplicante. Por isso o semblante triste - decepcionado.
Não lhe restou escolha senão virar-se para o seu lado e tentar contar carneirinhos chamando o sono.
Maria do Socorro não apagou a luz do abajur. Recostou-se na cabeceira e empurrou a coberta com os pés. Nem se importando com ele.
Suspirou. Um suspiro daqueles, de inspirar todo o ar do quarto... expirado depois num bufo.
Lá fora, a chuva nas telhas. Dentro do quarto, o tic-tac do relógio ritmando a respiração pesada de Plínio, na iminência de passar a ronco: serrote cego serrando madeira dura. Serradas lentas. Irritando Maria do Socorro.
Peito oprimido, ela nem teve pena do marido se encolhendo... nem mesmo sendo solidária de tapá-lo.
Olhou-o. Decepcionada. Com raiva. Raiva de si mesmo de ter casado com aquilo, um traste, que era, agora, apenas o que lhe restava.
Apertou os músculos das próprias pernas. Firmes ainda, apesar de mais gordas. Tocou os seios, razoavelmente sólidos apesar da idade. Quarenta e cinco anos. Tempo suficiente para debutar três vezes. Nem mesmo um filho para pelo menos se ocupar. De seu, só Plínio, sua magreza, seus roncos... suas caspas, manchando a fronha azul-marinho do travesseiro. Meio acabadinho para quarenta e oito. Dormindo de cueca, camiseta de física, meias e relógio. No dedo, um anelão de contabilista. Bigode e barba rala. Dormindo de boca aberta. Uma muxiba. Carne magra e sem gosto.
E pensar que, quando jovem, sonhava em se casar com alguém parecido com Paul Newman, Marlon Brando ou Troy Donahue. Lembrou-se que conseguia instantes de fantasia com cada um desses ídolos nos banhos de chuveiro. Um a cada dia. Fantasiava bem.
Calor ebulindo no peito de Maria do Socorro. Pensou nos guris do Colégio Técnico, seus companheiros de viagem de segunda a sexta, no trem das sete. Jovenzinhos, carnes tenras, músculos fortes... o afogueado juvenil nas carinhas vermelhas suadas, os cabelos fininhos. Coração disparando, Maria do Socorro querendo que passasse logo aquela noite de domingo, para voltar de trem de novo, com os guris do Colégio Técnico, buliçosos e com jeito de sem-vergonhas.
Sentiu o fogo agora dentro do peito, esparramando-se como um choque pelos seios, caminhando pelas pernas, palpitando o sexo.
Olhou para o marido, olhou para o nada do teto, suspirou fundo e deixou que sua coxa suada se encostasse nas pernas dele. Enlaçou-as como uma tesoura e enfiou-lhe a mão impaciente dentro da cueca.
Ele sempre queria. Fez um arzinho de pouco caso, menção de contrariado por interromper o sono, só pra valorizar, mas prontificado a cumprir seu papel. Ela nunca poderia se queixar do desinteresse dele. Queixava-se apenas de, às vezes, ele ser rápido demais.
"Te acalma, Plínio. Deixa que eu faço", ainda conseguiu dizer, se ajeitando e organizando o ritmo do marido.
Concentrou-se no lourinho de boné de time de basquete... da turma do Colégio Técnico, garoto do trem. Pensou nele e sugou sua imagem para dentro de si. Inventou para ele um cheiro que se esforçou para reter no pensamento. Imaginou a mão macia do guri esfregando-a em lugar da mão ossuda de Plínio. Pensou no menino dizendo-lhe safadezas e lhe molhando os ouvidos com uma língua áspera de tortura, esquecendo-se do "meu amor, meu amor" ansioso que Plínio lhe sussurrava. Enlaçou com as pernas as costas de Plínio trazendo-o para si, num vaivém que aumentou compassado. Recebeu o beijo ávido do marido como se fosse o menino a lhe despejar na boca a saliva quente do desejo. Jogou para trás a cabeça, mãos crispadas agarradas à grade da cama e o coração parecendo que ia estourar. Gozou. Gozou um gozo tão amplo, tão tonitruante que até permitiu-se depositar um beijo na testa do marido... agradecida.
Desgarrou-se dele relaxada e recompondo a respiração. Ficou minutos abobada ouvindo os pingos da chuva nas telhas, achando o som do relógio uma música e uma sensação de conforto cobrindo-a como lençol de seda.
Pensou nos meninos do Colégio Técnico e decidiu com um sorrisozinho sem vergonha: "amanhã, pensarei no moreninho de sobrancelhas grossas". Decisão que a fez enlaçar o marido pelas costas e sussurar-lhe oferecida: "amanhã, eu quero de novo, na mesma hora".
Plínio cheio de si e inflado de vaidade, respondendo: "vou pensar... vou pensar".