sexta-feira, 30 de março de 2012

CIÚME...

Abaixo, um trecho, apenas um trecho, de um dos contos do novo livro que publicarei, "Ouvido absoluto". O final, não conto aqui...

CIÚME

"Meu nome é Newton!" reclamou de pronto, quando, no meio dos lençóis, ela o chamou de Walter. Um silêncio gelado desembaraçou os dois corpos. A mão dela buscou na mesinha de cabeceira o maço de cigarros, e o tremor das mãos, quando riscou o fósforo, foi denunciador. Ele olhou para ela com expressão de argüidor e ela baixou os olhos, com a timidez de uma aluna que não havia estudado.

"E então, o que que tu tem a dizer? Me explica!", perguntou Newton, afastando os lençóis e estranhando o momentâneo pudor que a fazia, agora, cobrir o corpo. Ela conseguiu olhá-lo, superando a fragilidade do instante, e fez apenas um meneio de cabeça, que queria dizer: "não sei!"

Não estivesse Newton tão incorretamente certo de que era insubstituível naquele coração, já deveria ter percebido algo estranho, logo na entrada, quando ela atendeu à porta, deu-lhe um beijo insosso e pediu que limpasse os pés no capacho - tinha acabado de encerar a casa. Não percebeu nem que faltava o onipresente vermouth que ele bebericava enquanto ela colocava uma das camisolas de que ele gostava. Não percebeu - ou melhor, fingiu - que, naquele dia, ela estava apenas com uma camiseta surrada, descuidada, com o esmalte descascando e de chinelos de dedo. Nem considerou que ela falou mais de meia hora com Almira no telefone, fazendo-o esperar, ela que, outras vezes, sempre despachava rápido a amiga. Na cozinha, apenas café. Requentado. Superou. Fosse mais observador, teria percebido que a conversa das duas, a partir de um certo instante, ficou num enigmático "han-han!" por parte dela, como se o que a outra perguntasse do outro lado do fio fosse proibido para ele.

Newton saiu da cama, foi até a janela e esbarrou com a lua enorme no céu. Parecia uma gema de ovo descomunal flutuando no acortinado escuro pontilhado de estrelas. Noite sem ventos. Calor de Senegal. Entre os lençóis, a mulher fumando. Nervosa. Para disfarçar, catava ciscos invisíveis no travesseiro.

O ciúme é um arame farpado... estrangulador. Newton vestiu-se, e olhou-a, de passagem, com ódio e mágoa. Ela sustentando um segundo cigarro entre os dedos. Linda! Banhada pela lua, a pele branca parecendo mármore de uma estátua clássica. Newton passou pisando duro. Bateu a porta. As paredes tremeram.

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